Educação de mercado

Isis Ribeiro e Mariana Jósimo

A julgar por pré-conceitos, Inácio frança não deveria passar de um fanático por futebol e nada mais. Apaixonado pelo Santa Cruz, time da capital pernambucana, França mantém um blog dedicado ao time em parceria com outros amigos. No entanto, não para por aí. Além do time coral, outra de suas bandeiras é a educação. Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, França ocupa hoje o cargo de assessor de imprensa da Unicef em Recife.

Sua função na instituição é basicamente alimentar os veículos interessados em realizar matérias sobre educação através de novos dados e/ou números atualizados sobre educação. Nesta entrevista, ele analisa qual a postura da imprensa com relação ao tema educação nos últimos anos e comenta sobre o uso de cadernos didáticos e educativos direcionados para crianças nos jornais.

Canal da Imprensa - Você acha que os jornais abordam pouco os temas relacionados a educação?

Inácio França - Não é possível dar uma resposta genérica, pois há jornais e jornais. O problema não é exatamente a quantidade, mas o enfoque e o tratamento das matérias. Na maioria das vezes, o assunto entra na pauta quando há números/dados novos, que podem servir de 'gancho' para alguma matéria mais extensa ou por problemas agudos, como roubo de equipamento de escolas ou violência. Há exceções, é lógico. Lembro agora, a título de ilustração, de matérias sobre a precariedade do transporte escolar, que pressiona o poder público a encontrar soluções. Mas a questão da qualidade do ensino precisa entrar na pauta dos jornais e revistas em seus vários aspectos, principalmente no que se refere à educação contextualizada, que contemple a diversidade étnica e cultural. Esse enfoque é inexistente na mídia. Há pouco tempo, quando uma revista semanal tratou do tema da qualidade da educação foi no sentido inverso, fazendo uma pregação - o termo é esse: pregação - da educação como instrumento de manutenção de homogeneização cultural e manutenção do status quo.

CI - O trabalho desenvolvido pelo Unicef poderia ser mais divulgado em cadernos especializados nos jornais?

Inácio - O Unicef está empenhado para dar visibilidade a alguns princípios que nos são casos, como a questão da educação contextualizada, bem como educação integral e de qualidade. É preciso deixar claro que, hoje, o Unicef trabalha para disseminar políticas públicas e não com projetos isolados. Aliás, deixar isso claro para o público, é um dos nossos desafios.

CI - Como a mídia impressa de Pernambuco divulga os projetos educacionais?

Inácio - Os jornais pernambucanos não são diferentes dos jornais nacionais. Infelizmente. A busca sôfrega por 'números novos' baliza boa parte da cobertura. A denúncia pela denúncia, beirando o sensacionalismo também faz parte da rotina dos meus colegas jornalistas. As boas práticas conquistam as páginas quando se referem a projetos isolados. As redações ainda não conseguem compreender o conceito de políticas públicas. Curiosamente, durante greves de professores, por exemplo, há uma tendência à demonização do movimento grevista, como se os baixos salários dos professores não tivesse qualquer ligação com a qualidade do ensino.

CI - Você costuma colaborar com reportagens ligadas a temas educacionais?

Inácio - Atuar como assessor de imprensa é uma das tarefas do oficial de comunicação no Unicef. Alimento os veículos de comunicação interessados em produzir matérias sobre educação. Esse trabalho pode ser o fornecimento de dados atualizados, extraídos dos bancos de dados oficiais, a identificação de especialistas para analisar esses dados ou a triagem de informações sobre os resultados obtidos pelos parceiros ou nos municípios que participam da iniciativa Selo Unicef.

CI - No Brasil são poucos os jornais que possuem versões infantis com passatempos didáticos e educativos. Você acha importante esse tipo de encarte voltado às crianças?

Inácio - Esses encartes são ferramentas interessantes para despertar o gosto da leitura nas crianças e como material para-didático a ser utilizado pelo professor em sala de aula. Infelizmente, nos três estados que correspondem à área de atuação do escritório do Unicef em Recife (Pernambuco, Alagoas e Paraíba), apenas um jornal possui um caderno desse gênero.

CI - De que forma esses cadernos direcionados exclusivamente para as crianças pode ter um papel formador e educacional?

Inácio - Minha resposta é um complemento da resposta anterior: o texto e a diagramação adequados à criança ajuda bastante a formar leitores, a criar intimidade entre a criança e a palavra escrita, entre a criança e a mídia. Todavia, escrever para crianças é um desafio para jornalistas, que não recebem formação para isso.

CI - Existe necessidade de a mídia abordar mais sobre o tema 'Educação'?

Inácio - Sim, existe. Mas existe também a necessidade de abordar com outros enfoques. Não basta cobrar do Poder Público uma educação 'capaz de atender ao mercado', ou seja, uma educação que forme consumidores. Isso é um clichê na mídia impressa. É preciso abordar a necessidade da educação para formar cidadão, capaz de contribuir para o desenvolvimento humano.


Texto publicado originalmente no Canal da Imprensa

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