Pororoca Espetacular

O cenário é o pôr-do-sol do Rio Araguari no Amapá. A trilha sonora para a cena do sol que reflete na água é uma sinfonia harmoniosa com um suspense encantador. As vozes sutis dos repórteres Regis Rosing e Glenda Kozlowski compõem a cena mística que se instala na ocasião. A reportagem do mês de dezembro de 2007 do Esporte Espetacular da Rede Globo, fala sobre a onda gigante que acontece no encontro do Rio com o Oceano, conhecida como “Pororoca”, recebe toques misteriosos.

Os repórteres continuam a viagem na busca do fenômeno “extraordinário e invencível”, como assim descrito inicialmente pelo apresentador do programa, Tino Marcos. No barco, com muitas redes de descanso, o passeio segue por 26 horas até o momento em que o mesmo encalha na areia. Com o risco do barco tombar, Rosing narra: “Enquanto passamos pelo drama, a natureza tenta nos acalmar e o silencio aos poucos vai tomando conta da mata”. Outras citações ao decorrer da reportagem exaltavam a Pororoca como algo ameaçador e indistrutível. Ao se deparar com a Onda de três metros de altura, Glenda confessa medo, mas garante que a natureza iria lhe ajudar.

A pretensão de Rosing em destacar o acontecimento do imprevisto na viagem e transformá-lo em algo impactante foje ao foco principal da reportagem. O insinuante clima místico imposto naquele momento possibilita ao telespectador fantasiar sobre possíveis “poderes” sobrenaturais da floresta. Isso destoa do caráter descritivo, real e suscinto de uma reportagem. A natureza não tem o poder de acalmar ou ajudar alguém, ela simplesmente existe e as fantasias humanas referente a ela não cabem em uma reportagem sobre o surfe praticado na ocasião.
O misticismo pode ser entendido como uma religião. Muitos o entendem como uma seita ou então, como algo que transmite sensações internas e agradáveis.

A linha editorial do Esporte Espetacular consiste em reportagens e entrevistas referentes ao esporte. Desse modo, não cabe “enfeitar” a programação com coisas que destoam da realidade esportiva. Às vezes, a fim de inovar, a criatividade é forçada e não se encaixa no contexto, na real essência.

O fato surpreendente da matéria se faz quando o surfista, Sérgio Laus, que disputava o Campeonato de Surfe na Pororoca, fratura uma vertebra em razão da força das águas do Rio Araguari. Os repórteres poderiam explorar mais esse fato e mostrar os fatores que fazem a onda ter grande impulsão. Outro aspecto interessante seria informar os truques contra acidentes utilizados por outros surfistas.

Na seqüência, um surfista bate o próprio recorde de tempo em cima da onda gigante. Após, os repórteres entregam o prêmio do recordista. Uma enorme Mandala indígena. Na cerimônia, Glenda diz: “Essa Mandala é para proteger e abençoar o recordista mundial nos próximos desafios”. A crença no sobrenatural novamente se faz presente nesse momento e a supertição é exaltada.

Na finalização da reportagem, Rosing e Glenda ressaltam o que a onda lhes ensinou e afirmam que ela (a Pororoca) deseja que todos vivam em paz e que possam assumir o papel do semelhante. Esse desfecho harmônico, com pitadas românticas não significa nada. Uma onda não ensina, o que pode acontecer é o ser humano aprender lições a partir de vivências ocorridas no momento em que teve contato direto com pontos determinados da natureza. Isso poderia ser interpretado de outra forma, pois o termo “a onda ensinou” pode ser também uma figura de linguagem. Mas a cena e a expressão dos repórteres mostram claramente a intensão de mistificação para o momento.

Mágica, mística, fenomenal ou simplesmente natural, apesar disso tudo, a Pororoca do Rio Araguarí prova que no Brasil existe a Onda Espetacular.


Texto publicado originalmente no Canal da Imprensa

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