Mas antes, Veja as fontes

A ausência do depoimento de especialistas, testemunhas ou pessoas envolvidas no fato em questão faz com que a reportagem seja apenas um espaço com meras palavras jogadas em uma folha. São palavras ao vento, pois não transmitem credibilidade e, assim, apagam-se com rapidez da mente do leitor. "...palavras apenas, palavras pequenas, palavras momento, palavras, palavras, palavras ao vento...", já dizia Cássia Eller, intérprete da música "Palavras ao vento".

Uma reportagem se dá a partir do relato concreto, esplanado pelas fontes nela apresentada. E a revista Veja gosta de brincar no arriscado jogo do "diz que me diz", como na reportagem de capa da edição de 3 de outubro de 2007, intitulada "Che, a farsa do herói". Essa reportagem especial foi alvo de muitas críticas por não demonstrar confiabilidade. Como exemplo, temos o texto "Che e as calúnias de Veja", publicado no jornal Hora do Povo, em 10 de novembro deste ano. Nele, o jornalista Carlos Lopes acusa Veja de manipular os fatos: "Quais são as fontes de 'Veja'? Dois assassinos do Che. Os dois com o estigma queimando na pele e fazendo qualquer negócio para apagá-lo. Por isso, atribuem ao Che o seu próprio estigma de assassinos e covardes". Nessa matéria, a revista utilizou embasamentos teóricos e biográficos, sem descrição de fontes que revelassem algo extraordinário sobre o revolucionário. Veja, foi no mínimo infeliz ao atacar um personagem de grande conotação popular sem ter provas suficientes para isso.

Na mesma reportagem, a revista comparou Che Guevara com revolucionários históricos e afirmou: "Por suas convicções ideológicas, Che tem seu lugar assegurado na mesma lata de lixo onde a história já arremessou há tempos outros teóricos e práticos do comunismo, como Lenin, Stalin, Trotsky, Mao e Fidel Castro". Notoriamente, a revista gosta de utilizar esses personagens como referência para comparações. Na edição de 5 de outubro de 2005, os mesmos líderes foram comparados na matéria "Referendo da fumaça", em que a Veja posicionava-se a favor do "não" ao desarmamento. No texto, entre as sete razões que induziam o leitor a votar "não", estava no terceiro tópico a seguinte citação: "O desarmamento da população é historicamente um dos pilares do totalitarismo. Hitler, Stalin, Mussolini, Fidel Castro e Mao Tsé-Tung estão entre os que proibiram o povo de possuir armas". A revista, por ser um veículo sério e profissional não deveria citar esses exemplos, já que o referendo de armas se passava em contexto e época indiscutivelmente diferentes. Mas Veja novamente se posicionou frente a esse momento polêmico do País. Nessa mesma edição, expôs em uma citação sua opinião, sem ao menos buscar referências ou depoimentos de especialistas que comprovassem para o leitor os benefícios da idéia que defendiam.

Cabe destacar também que a reportagem de capa "Questões de pele", de 5 de julho de 2006, trouxe um infográfico informativo referente ao tipo, cuidados e características de diferentes peles. Elaborado pel a médica americana Leslie Baumann, chefe do Centro de Dermatologia Cosmética da Universidade de Miami, a ilustração apresentou dicas dermatológicas para cuidar da pele. A citação de que a pesquisa foi elaborada pela médica aparece apenas no início da reportagem e não como fonte no infográfico. Leitores que exploram apenas o recurso do gráfico, não percebem a relevância do conteúdo, por não conter a fonte relacionada próximo ao infográfico.

"Sem limites para a barbárie" foi o título que a revista deu para o crime que chocou o Brasil em 14 de fevereiro de 2007. A foto do menino João Hélio, de seis anos, que foi brutamente assassinado por bandidos no Rio de Janeiro, estava na matéria de capa da Veja. A reportagem segue com a descrição do crime e na pausa entre uma narração e outra, discorre um texto opinativo em destaque sem citação da fonte. Entende-se, portanto, que esta seja a postura da revista e que a mesma assume a posição de "voz do povo". Apenas no final, apresenta a opinião de especialistas sobre possíveis soluções para a violência no País.

Em geral, a Veja gosta de se posicionar diante de acontecimentos polêmicos. Pelo fato de ser um periódico histórico de grande conotação, pensa ter o direito opinativo sobre os brasileiros. Consideravelmente, a revista possui o direito de expor sua opinião, mas que esta seja feito em um editorial específico e não inserido em trechos de reportagens. Por ser um veículo de caráter interpretativo, a revista confunde-se por vezes, em opinar sem embasamento de especialistas. Em alguns momentos, Veja assume posicionamento tendencioso e isso faz com que oculte certas fontes e se torne parcial.

A revista deve entender que nem sempre a fonte diz o que o veículo deseja "ouvir". Mas a opinião delas deve ser respeitada acima de qualquer indução, pois são elas que constroem a realidade dos fatos. São as fontes que ordenam as marcas na folha em branco para construir um relato e não ser apenas meras palavras ao vento.

Texto publicado originalmente no Canal da Imprensa

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